25 de abril de 2012

A armadilha da acomodação


O Brasil vem conquistando avanços importantes em vários campos, em especial no econômico-social, o que tem nos propiciado maior autonomia das políticas econômicas para enfrentar as adversidades do ambiente externo.
O sucesso tem se traduzido em um nível elevado de aprovação do governo, o que mostra que a sociedade reconhece os progressos. O governo da presidente Dilma Rousseff vem consolidando importantes conquistas que se viabilizaram especialmente ao longo dos últimos dois decênios. O controle da inflação, mais recentemente acompanhado de um maior crescimento do nível de atividades, vem refletindo na melhora do emprego, com auxilio das políticas sociais, o que tem gerado distribuição de renda e minimizado a nossa ainda elevada desigualdade.
No entanto, o principal risco que enfrentamos, ao contrário do passado recente, não advém dos fatores externos, mas de caráter interno, que é o risco da acomodação. A conjugação de fatores, econômicos, políticos, sociais, etc, tende a levar-nos a um sentimento de acomodação geral e a não realizar as transformações necessárias. Aqui há um claro conflito, entre o conforto do presente e a sustentabilidade futura. Não se trata de escolhas excludentes entre si, mas de ações complementares. Com habilidade e competência, é plenamente possível preservar os ganhos correntes, porém sem comprometer o futuro.
A principal contradição em jogo é que nos tornamos um mercado relevante, a sexta maior economia mundial, pelo critério do Produto Interno Bruto (PIB), e posições ainda mais relevantes no tocante a mercados específicos, como o automobilístico (4º mundial) e outros. Porem, não estamos aproveitando a potencialidade desse imenso mercado de consumo para viabilizar a ampliação da produção doméstica, a geração de centros de pesquisa e desenvolvimento e tecnologia, o que nos propiciaria empregos e renda de melhor qualidade e sofisticação e maior sustentabilidade das contas externas.
Dadas as condições adversas de competitividade sistêmica, estamos perdendo substância em elos importantes da cadeia produtiva. A conseqüência é um aumento rápido das importações, que substituem a produção local. Trata-se de um processo silencioso e nem sempre perceptível de desindustrialização. Apesar do avanço do PIB de mais de 10%, nos últimos três anos, a produção industrial permaneceu estagnada no acumulado do período e o déficit comercial de produtos industrializados deve ultrapassar os US$ 100 bilhões este ano.
Parece uma grande contradição, pois acaba de ser anunciado que o Brasil recebeu um volume recorde de investimentos diretos estrangeiros no ano passado e se mantém dentre aqueles que mais são alvo das grandes empresas em pesquisas recentes.
A questão é que nem sempre o investidor que vem de fora atende aos interesses de localização e inovação. Muitas vezes apenas reproduz o padrão vigente de baixo conteúdo local. Parcela substancial do investimento externo é voltado para projetos associados a exploração de recursos naturais, que são finitos e agregam pouco valor.
A industrialização representou o grande salto no século passado e um fator preponderante que propiciou-nos chegar aonde chegamos no panorama mundial. Falta-nos um novo impulso para criar a indústria do século 21, que preserve os segmentos nos quais já temos tecnologia e know how e outros, novos, os quais ainda não dominamos.É preciso avançar em uma agenda que contemple questões mais abrangentes e de interesse geral. Trata-se de um equívoco, no caso do debate da desindustrialização, encarar o problema como algo setorial, ou uma demanda corporativa. Não há antecedentes na história econômica mundial de países com as nossas características e que tenham alcançado níveis avançados de desenvolvimento sem o apoio de uma indústria competitiva.
É isso que deve nortear nossas ações, envolvendo as políticas públicas, o setor privado, a área acadêmica e os institutos de pesquisa, em um esforço conjunto e inovador. É também o que deve nortear o nosso relacionamento externo, no que se refere a acordos com os países e o nosso padrão de comércio. É também muito importante, atentarmos para a característica do investimento que mais nos interessa, que é aquele que venha complementar as nossas cadeias produtivas, agregar valor e gerar novas competências. Precisamos compensar o ônus da remuneração ao investimento externo, que no ano passado representou uma despesa de US$ 40 bilhões, com exportações e outras receitas que garantam o equilíbrio intertemporal do balanço de pagamentos.
Para isso, temos que sair do conforto de os outros nos descobrirem e nos elegerem como suas prioridades para atender às estratégias, mas atrair o investimento que viabilize nossas prioridades e interesses. Carecemos de um projeto mais amplo e ambicioso, que combine a expansão do mercado com aumento do valor agregado local e das inovações: um grande salto de desenvolvimento, sob pena de abrirmos mão de garantir a sustentabilidade futura.
Por Antonio Corrêa de Lacerda: economista, mestre e doutor em economia, professor-doutor do departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política, da PUC-SP, autor, entre outros livros, de “Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil” (Saraiva). Foi presidente do Cofecon e da SOBEET. Fonte: Terra.

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